segunda-feira, 8 de março de 2010

PEDRO BANDEIRA - Telegrama


1996, último ano de estudos na FAUP, fazemos o concurso público para a construção da Nova Aldeia da Luz (Plano de Pormenor, arruamento, infra-estruturas e habitações). Os grandes escritórios estão entretidos com os projectos da expo 98. Concorrem apenas cerca de 16 equipas e contra todas as expectativas, ganhámos nós (João Figueira, José Miguel Rodrigues, Luísa Rodrigues, Luís Miguel Fareleia e eu).

Há muito trabalho em Portugal. É relativamente fácil arranjar trabalho num escritório de arquitectura ou por conta própria. Dois anos passam de projectos de execução, burocracia e discussões com o cliente. A prática profissional revela-se incapaz de colmatar as expectativas, ainda que ingénuas, de alguém formado à sombra da “profissão poética”. Oiço falar de Ignási de Sola Morales. Decido investir o que ganhei na Luz nas propinas do Mestrado de Cultura Urbana – Metropolis – em Barcelona. Leio Guy Debord. Escrevo sobre os situacionistas. Acho que penso como os situacionistas. Começo a desenvolver os “projectos específicos para um cliente genérico” (Dafne Editora, 2007).


Dois amigos inscrevem-me numa entrevista para dar aulas na Universidade do Minho. O acaso, ou a “deriva”, leva-me a Guimarães em 1998. Entretanto: um projecto de uma piscina municipal cai com as eleições; vejo-me obrigado a anular um concurso público corrompido em Matosinhos; a crise que se começa a adivinhar, nos dois mil e qualquer coisa, invalida a construção de um bloco residencial na Figueira da Foz. Ao invés do lamento, concentro-me nos “projectos específicos” que começam a ganhar visibilidade pela curadoria de Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira na Bienal de Veneza.


O Bernardo Rodrigues escreve “Press is More” na página solta de um moleskine. De um momento para o outro, todos nós, da mesma geração exibimos mais facilidade em comunicar do que em construir (claro que uns mais do que outros). Do mesmo ano do Porto: Bruno Baldaia; Camilo Rebelo; Carlos Veloso; Nuno Merino Rocha; AS*Atelier de Santos; Atelier do Corvo; Bernardo Rodrigues… Heterogeneidade não falta. Para trás fica qualquer ideia ou escola de tendência.


Debates, conferências, revistas, imagens. Geração intermédia, que não se contenta com as tradicionais plantas, cortes e alçados, e que paradoxalmente não sabe fazer um 3D. Ainda assim, geração de imagens. Desenvolvo tese de doutoramento “Arquitectura como Imagem”, subjectividade e sedução, para exorcizar qualquer culpa.


Hoje, a crise que se instala pronuncia com mais veemência a dicotomia entre a prática profissional e a prática académica. Defendo que os “projectos específicos” são um compromisso entre o desenho e a teoria. Dizem-me que sou um “future artist”; “arquitecto artista”; “nem uma coisa nem outra”; evoco simplesmente as “novas oportunidades” na expressão de um governo igualmente desgovernado. Temos que estar atentos ao acaso. E a ironia feliz da coisa é que parece, sempre, que só agora é que vai começar. Ainda amo a arquitectura.


Pedro Bandeira, arquitecto

1 comentário:

  1. É preciso explicar que esta é uma resposta telegráfica ao texto solicitado, de “aproximadamente 3 mil caracteres, ou menos, em que falasse sobre a transição estudante, estagiário, primeiros anos de exercício, e o estado de espírito com que se encara a profissão ao chegar aos 40”.
    PB

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